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[Artigo traduzido] Vitamin D status in the tropics: Is sunlight exposure the main determinant?

Updated: May 13, 2021


Status da vitamina D nos trópicos: a exposição à luz solar é o principal determinante?



A vitamina D é essencial para a saúde óssea e a deficiência severa e prolongada pode causar raquitismo em crianças e osteoporose em adultos. Como a principal fonte de vitamina D é a exposição da pele aos raios ultravioleta, há muito se supõe que viver em um país ensolarado garante níveis adequados de vitamina D (ou seja, o nível ideal de vitamina D sanguínea para prevenir efeitos prejudiciais à saúde óssea). No entanto, há evidências crescentes de que a insuficiência de vitamina D pode ter sido subestimada em países tropicais de baixa latitude. O Brasil é um país único para se estudar, pois é o único país do mundo que tem a linha do equador e a do trópico de Capricórnio em seu território. Descobertas recentes de alta prevalência de insuficiência de vitamina D em países como o Brasil sugerem que a deficiência de vitamina D pode estar aumentando em nível global. Estudos mais amplos e robustos são necessários para uma estimativa precisa da prevalência de níveis insuficientes de vitamina D em populações de países ensolarados e a contribuição relativa dos principais fatores de influência, como exposição individual ao sol, ingestão alimentar, pigmentação da pele e estilo de vida.


Introdução


A vitamina D é um pró-hormônio que pode ser produzido fotoquimicamente na pele e também ingerido por meio da dieta. As duas formas principais de vitamina D, ergocalciferol (vitamina D2) e colecalciferol (vitamina D3), estão naturalmente presentes em alimentos como peixes oleosos, leite, ovos e cogumelos selvagens (embora em pequenas quantidades). A maior parte da vitamina D (até 90%) é adquirida pela ação da luz solar na pele, convertendo o 7-desidrocolesterol em vitamina D3. A vitamina D3, de todas as fontes, passa então por dois processos de hidroxilação, um no fígado e outro nos rins, para se tornar a forma ativa 1,25-diidroxivitamina D (DeLuca 2004; Holick et al. 2011).

A vitamina D desempenha um papel importante e bem reconhecido na manutenção de concentrações adequadas de cálcio sérico e saúde óssea (DeLuca 2004; Holick et al. 2011; Lanham ‐ New et al. 2011). Mais recentemente, o nível sanguíneo de vitamina D foi associado a vários outros desfechos de saúde e doenças. No entanto, os dados são amplamente observacionais e ainda faltam evidências robustas de ensaios clínicos randomizados para determinar a causalidade.

Novos relatórios de uma alta prevalência de deficiência de vitamina D em todo o mundo intensificaram a discussão sobre a adequação das recomendações atuais para níveis ideais. Um estudo recente aplicando o protocolo do Programa Padronizado de Vitamina D (VDSP) em 14 estudos populacionais europeus relatou que 13,0% dos 55.844 indivíduos apresentaram concentrações de vitamina D no sangue abaixo de 10 ng/ml, independentemente da faixa etária, etnia e latitude (Cashman et al. 2016). No entanto, em países ensolarados, devido à suposição de longa data de que a deficiência de vitamina D não é um problema, as concentrações de 25OHD na população ainda não são testadas rotineiramente. Pesquisas emergentes sugerem que a deficiência de vitamina D pode ser um problema muito maior do que o esperado, mesmo em locais ensolarados. Além disso, devido ao número de fatores além da exposição à luz solar que podem afetar a produção de vitamina D, pode não ser adequado assumir que o gradiente de latitude linear é o determinante mais importante do status de vitamina D. Esses estudos recentes geraram discussões sobre a necessidade de definir recomendações específicas para cada país e etnia para exposição à luz solar e ingestão alimentar de vitamina D em diferentes partes do mundo (Raiten & Picciano 2004; Lanham ‐ New et al. 2011; Palacios & Gonzalez 2014 ; Cashman et al. 2016; Liu et al. 2018).

A vitamina do sol

A vitamina D é comumente conhecida como a "vitamina do sol" devido à radiação ultravioleta solar (UV) ser sua fonte primária (Holick 2007a). Entre as latitudes 40 ° Norte e 40 ° Sul, há radiação UVB relativamente alta e definitivamente suficiente para produzir vitamina D na pele ao longo do ano. Por outro lado, em latitudes fora dessa faixa, não há radiação UVB disponível durante o inverno e as pessoas nesses locais devem contar com fontes de alimentos e suplementação para manter a vitamina D sérica em um nível suficiente (Holick 2007a, b; Kimlin et al. 2007a, b; Diehl & Chiu 2010; Lanham-New et al. 2011). A exposição do rosto e dos braços ao comprimento de onda adequado da luz solar (radiação UVB de 290-370 nm) por 15-30 minutos, diariamente, deve ser suficiente para manter o status adequado de vitamina D (Holick 2007a). Portanto, a localização geográfica é considerada o determinante mais importante do status de vitamina D.

Além da latitude, há uma série de outros fatores que podem afetar a síntese de vitamina D na pele, como sexo, composição corporal, hábitos de vestuário, cobertura de nuvens, poluição, pigmentação da pele e fatores genéticos (Kimlin et al. 2007a, b; Lagunova et al. 2009; Diehl & Chiu 2010). Além disso, devido à exposição ao sol aumentar o risco de câncer de pele, especialmente em países ensolarados, evitar e/ou proteger do sol e o uso regular de filtro solar são recomendados em muitos países, e isso pode ter uma influência adversa no nível de vitamina D (Correia et al. 2014).

Evidências recentes sobre a prevalência da deficiência de vitamina D em países ensolarados sugerem que, apesar da abundância de luz solar, a deficiência de vitamina D já é um problema de saúde pública (Bandeira et al. 2010; Correia et al. 2014; Maeda et al. 2014). A complexa relação entre a disponibilidade do sol e a exposição real e as concentrações séricas de vitamina D requerem mais investigação. Ainda há uma falta de compreensão sobre a contribuição relativa das diferenças individuais de comportamento, características fisiológicas e dieta no status de 25OHD.

Nível ideal de vitamina D e recomendações dietéticas


A definição do nível ideal de 25OHD permanece controversa e continua a ser debatida na comunidade científica. Os pontos de corte para deficiência e insuficiência de vitamina D variam entre os diferentes órgãos internacionais. Por exemplo, o nível de vitamina D < 10 ng/ml é definido como deficiência pelo Comitê Consultivo Científico de Nutrição do Reino Unido (SACN), 20 ng/ml é definido como insuficiência pelo Instituto de Medicina dos EUA (IOM) e 30 ng/ml é definido pela US Endocrine Society como o nível mínimo para evitar efeitos prejudiciais à saúde (Holick et al. 2011; Ross et al. 2011; SACN 2016). No entanto, há um consenso geral de que os níveis não devem estar abaixo de 10 ng/ml para prevenir problemas de saúde óssea (Buttriss 2015). Os critérios mais comuns usados ​​para definir esses limiares mínimos propostos incluem a supressão da secreção do hormônio da paratireóide, maior densidade mineral óssea, taxas reduzidas de perda óssea e diminuição de fraturas e quedas (Holick 2007a).

Também há muito debate sobre o método usado para medir as concentrações de vitamina D e o potencial de confusão devido à época do ano da amostragem. Esses fatores provavelmente contribuem para as diferenças observadas entre os estudos, potencialmente mascarando ou confundindo quaisquer diferenças biológicas verdadeiras e limitando as comparações dos estudos (Millen & Bodnar 2008; Herrmann et al. 2017). Fatores fisiológicos, como sexo, idade, características antropométricas e condições de saúde atuais, também podem confundir os resultados (Millen & Bodnar 2008; Lagunova et al. 2009; Diehl & Chiu 2010). Medição não apenas da disponibilidade absoluta de luz solar, mas também de quanto dessa luz solar realmente atinge a pele de acordo com os hábitos de vestuário, proteção solar, uso de protetor solar e estilo de vida (ou seja, atividade física ao ar livre, hábito de caminhar como opção primária de locomoção, banho de sol natural ou artificial, etc.) também se faz necessário. Embora a dieta seja considerada um contribuinte menor para o status de vitamina D, devido a poucos alimentos serem fontes naturais e a quantidade ser baixa naqueles que contêm vitamina D, para a maioria das populações, ela tende a fazer uma contribuição pequena, mas constante, e não é desprezível.

O IOM dos EUA atualmente recomenda uma ingestão diária mais alta de 15 μg/dia (600 UI/dia) de vitamina D para indivíduos com idade entre 1 e 70 anos, e 20 μg/dia (800 UI/dia) para aqueles com mais de 0 anos (Ross et al. 2011). É importante notar que a maioria das recomendações publicadas para obter um nível ideal de vitamina D, incluindo exposição suficiente à luz solar e ingestão alimentar, são baseadas em pesquisas em populações caucasianas e em países localizados em latitudes altas, com recomendações variáveis ​​para grupos de maior risco.

Vitamina D no Brasil


O Brasil é o maior e mais populoso país da América do Sul. Possui uma área de 8,5 milhões de km2 e uma população de mais de 200 milhões de pessoas, com seu território situado entre as latitudes 5 ° Norte e 33 ° Sul. De acordo com o último Censo Nacional de 2016, a distribuição da cor da pele autodescrita da população brasileira foi de 46,7% pardo e 8,2% negro,, 44,2% branco, e os demais asiáticos e indígenas (IBGE 2017).

Existem vários climas em todo o país durante o ano todo, mas a maior parte do território é considerada como tendo um clima tropical típico. Apesar das variações sazonais e meteorológicas, a disponibilidade de radiação UVB é muito alta ao longo do ano na maior parte do país (Correa 2015). Os níveis de radiação UV são constantemente elevados em todos os territórios brasileiros e comumente acima do Índice UV de 8, classificado como muito alto (o Índice UV é uma escala padronizada de radiação UV na superfície terrestre). Em regiões mais próximas ao equador (centro, norte e nordeste do Brasil), o Índice de UV está acima de 12, classificado como extremo, durante a maior parte do ano (Correa et al. 2003).

Em 2014, a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) publicou um documento de consenso sobre suas recomendações para o diagnóstico e tratamento da deficiência de vitamina D (Maeda et al. 2014). O documento recomenda uma ingestão diária de vitamina D de 15 μg (600 UI/dia) para a população adulta em geral e 37,5–50 μg (1500-2000 UI/dia) para grupos de risco (idosos, mulheres grávidas ou amamentando, pacientes com raquitismo, osteomalácia ou osteoporose, pacientes com histórico de quedas e fraturas, causas secundárias de osteoporose - doenças e medicamentos, hiperparatireoidismo, doenças inflamatórias, doenças autoimunes, doença renal crônica e síndromes de má absorção - clínica ou pós-cirúrgica) para manter os níveis de vitamina D acima de 30 ng/ml (Maeda et al. 2014). Essas recomendações baseiam-se nas tabelas nutricionais do IOM e da Endocrine Society, nos Estados Unidos. O documento foi atualizado em 2018 e passou a recomendar níveis de vitamina D acima de 20 ng/ml para a população geral té 60 anos de idade, entre 30 - 60 ng/ml para os grupos de risco descritos acima e alerta que níveis acima de 100 ng/ml podem ser prejudiciais para saúde. (Ferreira et al. 2017).

Embora a localização geográfica do Brasil signifique que há abundância de luz solar, há evidências crescentes de concentrações insuficientes de vitamina D na população. Oos principais estudos que investigaram o estado da vitamina D no Brasil realizados nos últimos 10 anos indicam que existe uma alta prevalência de insuficiência de vitamina D no Brasil, em diferentes latitudes do país. É importante notar que a maioria dos estudos relatou apenas a prevalência daqueles com 25OHD sérico inferior a 20 ng/ml ou inferior a 30 ng/ml, e a maioria não examinou fatores que influenciam o status de vitamina D além da idade, composição corporal e latitude.

Na maioria dos estudos no Brasil, em regiões com latitudes variando de 8 ° a 30 ° Sul, havia uma alta proporção da população com níveis vitamina D abaixo de 30 ng/ml em diferentes grupos de idade, incluindo adolescentes, adultos mais jovens e mais velhos, mulheres na pós-menopausa e os idosos. Estudos realizados com idosos em várias cidades diferentes encontraram alta prevalência de insuficiência, incluindo 28% —31,5% da população idosa em Recife (latitude 8 ° S), 27,1% no Rio de Janeiro ( 22 ° S) e 55% na cidade de São Paulo (latitude 23 ° S). A insuficiência também foi evidente em adultos mais jovens; por exemplo, 36,3% dos adolescentes tinham níveis de vitamina D abaixo de 20 ng/ml em Curitiba (latitude 25 ° S), 27% dos adultos em Salvador (12 ° S), 32% dos adultos em Brasília (15 ° S) e 57,4 % de adultos em Porto Alegre (30 ° S).

Em um grupo saudável (de 18 a 80 anos) em São Paulo (23 ° S), os pesquisadores observaram uma alta prevalência de deficiência de vitamina D e hiperparatireoidismo secundário no final do inverno. Um aumento significativo nas concentrações séricas de vitamina D e uma diminuição na prevalência de deficiência de vitamina D foram observados após o verão. No entanto, a melhora dependia da idade - pessoas mais velhas tinham níveis mais baixos de vitamina D no inverno e eram menos propensas a apresentar melhora no status de vitamina D após o verão (Unger et al. 2010).

Um estudo avaliando a deficiência de vitamina D em 894 adultos em Recife, Brasil, (8° S) (maiores de 18 anos, 59,1% mulheres, 60,6% com fototipo de pele entre III e IV - classificação de Fitzpatrick) de acordo com a exposição ao sol e o tipo de pele encontrou uma pequena diferença na prevalência de concentrações de vitamina D abaixo de 30 ng/ml entre aqueles com baixa e alta exposição ao sol (71,2% e 67,9%, respectivamente). Além disso, 28,5% tinham concentrações de vitamina D abaixo de 20 ng/ml e, apesar de uma alta exposição solar diária, a média de 25OHD estava abaixo de 30 ng/ml. Curiosamente, em relação ao tipo de pele, concentrações abaixo de 20 ng/ml foram observadas em 55,6% daqueles com fotótipo I, em contraste com 23,9% daqueles com fotótipo VI. A prevalência abaixo de 30 ng/ml foi de 88,9% para o tipo de pele I e 65,7% para o tipo VI. A inesperada menor prevalência em pessoas com pele mais escura pode ser explicada pelo hábito de se bronzear entre aqueles com pele mais escura em países ensolarados, levando a uma maior exposição ao sol. Esta observação destaca a necessidade de estudos mais robustos em países ensolarados sobre as influências locais, culturais e étnicas específicas sobre a adequação e recomendações de vitamina D (Correia et al. 2014).

As fontes dietéticas de vitamina D no Brasil são limitadas e a dieta típica brasileira não contém muita vitamina D (Maeda et al. 2014). Peixes oleosos normalmente não estão disponíveis e poucos tipos de cogumelos podem crescer em um clima quente, e ambos raramente são consumidos pelos brasileiros. Além disso, a fortificação de produtos alimentícios com vitamina D não é obrigatória e não é comum encontrar esses tipos de alimentos fortificados à venda. Embora haja apenas pesquisas limitadas sobre o uso de suplementos de vitamina D no Brasil, uma série de pequenos estudos sugerem baixas taxas de uso - por exemplo, 2% (n = 284) de homens idosos (Cabral et al. 2013), 7% de adultos (n = 99) (Maeda et al. 2010), 6% (n = 591) dos adultos (Maeda et al. 2013) e 10% (n = 243) de homens e mulheres idosos com 65 anos ou mais (Saraiva et al. 2007).

Conclusões


O território brasileiro possui dimensões continentais, estendendo-se de 5 ° Norte a 33 ° Sul, com considerável heterogeneidade climática. Devido a uma grande miscigenação, o Brasil possui uma população heterogênea em termos de hábitos e origens culturais, além de um amplo espectro de pigmentação da pele. Com a maior parte de seu território situado entre o Equador e o trópico de Capricórnio, o Brasil certamente está entre os países com maior extensão territorial próxima ao sol, e há radiação UVB suficiente para produzir vitamina D na pele durante todo o ano para pessoas que vivem no Brasil. No entanto, os achados apresentados neste artigo, indicando que a insuficiência de vitamina D é prevalente no Brasil, não suportam a suposição comum de que o nível de radiação solar no país garante que a população tenha um nível adequado de vitamina D.

Como a SBEM e a SBPC brasileiras recomendam que os níveis de vitamina D sejam acima de 20 ng/ml para a população em geral, poucos estudos no Brasil relatam a prevalência de níveis de 25OHD abaixo de 10 ng/ml (que é o limite mínimo recomendado pela maioria órgãos consultivos para prevenir problemas de saúde óssea) e isso torna difícil estimar a prevalência de deficiência de vitamina D nesta população. Mais estudos, relatando e avaliando a prevalência de valores mais baixos, são necessários para avaliar com precisão a extensão da deficiência de vitamina D, bem como a insuficiência nesta população. Há também a necessidade de uma investigação mais aprofundada sobre os fatores que influenciam e sua contribuição para os níveis de vitamina D em uma base de população por população. Embora a literatura aqui apresentada indique alta prevalência de insuficiência de vitamina D no Brasil, principalmente em idosos, ainda são poucos os estudos populacionais que consideram as concentrações de vitamina D em relação à ingestão alimentar, exposição solar e outros fatores de influência.

Concluindo, a insuficiência de vitamina D no Brasil parece ser mais prevalente do que o esperado, em todas as faixas etárias e em ambos os sexos. Mais pesquisas são necessárias para melhor estimar a insuficiência e deficiência de vitamina D na população brasileira e para ajudar a estabelecer recomendações realistas e significativas para o estado ideal de vitamina D e ingestão alimentar. Dado que o risco de câncer de pele é maior em países ensolarados, aumentar a ingestão alimentar de vitamina D (por meio de suplementação ou fortificação) pode ser a abordagem mais apropriada para combater o baixo nível de vitamina D. Recomendações para grupos específicos podem ser consideradas para garantir que toda a população atinja o status de vitamina D adequado.


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